29 de junho de 2022

Epilepsia

Todo mundo que teve uma crise epiléptica tem epilepsia?

Descubra aqui o que são crises epilépticas (os neurologistas preferem chamá-las somente de crises), os tipos de crises, o que é epilepsia, o que é estado de mal epiléptico e o que fazer no caso de alguém ter uma crise na sua frente! Além disso, saiba se alguém com epilepsia pode fazer atividade física ou dirigir.

Ideia inicial

Primeiro é preciso nos lembrarmos de que o cérebro é composto por diversas células, dentre elas o neurônio, que utilizam como forma de se comunicar impulsos elétricos e sinais químicos.

O que é uma crise?

As crises ocorrem quando as células chamadas neurônios funcionam de maneira anormal, disparando sinais elétricos e químicos excessivos e descontrolados. Isso afeta as partes do corpo controladas por esses neurônios, podendo levar a movimentos excessivos do corpo, perda da consciência e etc…  

Qual a primeira coisa que um médico especialista deve fazer diante do relato de uma crise?

  • A primeira tarefa é definir se o que aconteceu foi mesmo uma crise ou um dos inúmeros imitadores de crise.
  • O segundo passo é classificar o tipo de crise.
  • O terceiro é classificar o tipo de epilepsia do paciente.
  • O quarto é verificar se essa epilepsia se encaixa no que chamamos de uma síndrome epiléptica.
  • Em paralelo, o médico deve tentar definir a causa da epilepsia e se existe o que chamamos de comorbidades, que são condições que podem vir junto, por exemplo depressão, dor de cabeça…
  • Identificar a causa da epilepsia em cada uma das etapas deste esquema diagnóstico.

Qual a diferença entre crises focais (também conhecidas antigamente como parciais) e generalizadas?

Os bilhões de neurônios que temos se comunicam entre si, formando o que chamamos redes neurais. Quando essa comunicação se da de maneira anormal e exagerada, podemos ter:

  • As crises focais são originadas em circuitos do cérebro limitados a um dos lados do cérebro;
  • As crises generalizadas são originadas em algum local de uma rede neuronal com envolvimento muito rápido de redes distribuídas nos dois hemisférios.

O que são crises focais perceptivas e disperceptivas (termos equivalentes ao que era anteriormente referido como crises parciais simples ou complexas)?

As crises focais podem ser classificadas como perceptivas ou disperceptivas. Nas crises perceptivas a “pessoa está ciente de si e do meio ambiente durante a crise, mesmo se estiver imóvel.” Nas disperceptivas a pessoa perde a ciência sobre si e/ou o meio ambiente em algum momento da crises (mesmo que não seja durante toda a crise).

O que são crises focais de início motor?

Quando a crise focal tem achados motores proeminentes iniciais, ela será classificada como de início motor. Tais achados incluem:

– automatismos – movimentos repetitivos, sem propósito, mais ou menos coordenados, a depender de cada caso;

– atonia – perda focal do tônus muscular;

– mioclonia – contração súbita, abrupta e breve de um grupamento muscular (menor do que 200 milissegundos de duração);

– clonias – contrações breves que se repetem de maneira ritmada em um grupamento muscular;

– espasmo epileptico focal – flexão ou extensão focal dos membros, ocorrendo de modo agrpado e geralmente durante o sono;

– hipercinética – movimentos como de pedalar;

– tônica – contração sustentada.

O que são crises focais de início não motor?

São aquelas que não têm achados motores proeminentes caracterizando o início da crise e incluem as que são:

– autonômicas: com sensação gastrointestinal esquisita, sensação de frio ou calor, eritema, arrepio, palpitação, alteração respiratória…

– com parada comportamental: envolve parada da movimentação e arresponsividade;

– cognitivas: quando o paciente relata ou é observado déficit de linguagem, pensamento ou outras funções corticais superiores, além de fenômenos positivos como déjà vu (sensação de que já vivenciou a situação antes), jamais vu (sensação de que nunca vivenciou a situação antes), alucinações, ilusões, pensamentos forçado…  

– emocionais: onde ocorrem alterações emocionais tais como medo, ansiedade, agitação, raiva, paranoia, plenitude, euforia, êxtase, risos (gelásticas), choro…

– sensoriais: alterações de sensibilidade na pele, alterações nos sentidos como cheiros (geralmente ruins), perda da visão ou visualização de imagens coloridas, ouvir ruídos anormais, sentir gostos diferente, sensação de frio ou calor, sensação de desequilíbrio e etc.

E como se classificam as crises generalizadas?

 Elas não são classificadas em perceptivas ou disperceptivas, pois por sua natureza envolvendo amplas regiões do cérebro de forma bilateral, pressupõe-se que a consciência esteja sempre afetada, ainda que por um breve período.

O que são crises generalizadas de início motor?

Incluem as com atonia, tônicas, mioclônicas, clônicas e espasmos epilépticos, que são semelhantes às já descritas acima na parte das crises focais, mas ocorrem envolvem os dois lados do corpo. Elas podem ainda combinar mais de um dos achados na ordem em que são descritos, como nas tônico-clônicas, mioclônica-atônicas ou micolônica-tônico-clônica.

O que são crises generalizadas de início não-motor?

São tipos variados de crises de ausência:

– ausência típica: caracterizada por parada abrupta da atividade, com início e término bem delimitados, com duração de poucos segundos até cerca de 30 segundos, e com achados eletrográficos característicos;

– ausência atípica: uma ausência que vem acompanhada de alterações de tônus mais pronunciadas, ou têm início e término não tão abruptos, tendo achados eletrográficos característicos e diferentes dos da ausência típica;

– ausência mioclônica: ausência acompanhada de contrações rítmicas a 3/segundo, causando abdução e elevação progressiva dos membros superiores (como bater de asas);

– ausência com mioclonia palpebral: ausências acompanhadas de mioclonias das pálpebras e supraversão ocular.

O que são crises de início desconhecido?

São aquelas em que não se tem certeza sobre se o início foi generalizado ou focal. Isso ocorre com frequência nas crises tônico-clônicas, que podem ser chamadas de bilaterais, quando são resultado de um início focal seguido de uma propagação para os dois hemisférios, ou generalizadas, quando já têm início envolvendo rapidamente redes neurais nos dois hemisférios. Nesse tipo de crise muitas vezes é difícil definir como foi o início, e portanto classifica-la adequadamente.

Por que é importante classificar o tipo de crise?

Além de permitir uma padronização da comunicação entre médicos, o tipo de crise junto a outros dados pode ajudar na classificação do tipo de epilepsia, a pensar na causa da epilepsia e a planejar o tipo de tratamento.

Afinal, todo mundo que teve uma crise tem epilepsia?

Não, pois crises e epilepsia não são a mesma coisa. Crises, conforme já vimos acima, são “a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas secundários a atividade neuronal cerebral anormal excessiva ou síncrona”, enquanto epilepsia é a doença caracterizada por uma predisposição duradoura de gerar crises, associada as consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição.

A epilepsia é uma doença do cérebro que afeta 2 a 3% da população. Destas cerca de 60-70% têm as suas crises epilépticas controladas por medicação.

Quais são os critérios para se dizer que alguém tem epilepsia?

  1. Presença de duas crises não provocadas (não causadas por agressões diretas ao cérebro como infecções, alterações dos eletrólitos no sangue, intoxicações e etc…) ou reflexas (como as desencadeadas por estímulos luminosos) ocorrendo com uma diferença de 24 horas;
  2. Uma crise não provocada ou reflexa associada a uma chance maior do que 60% de recorrência da crise (que é o risco aproximado de uma terceira crise quando a pessoa já teve duas crises);
  3. O diagnóstico de uma síndrome epiléptica.

O que são síndromes epilépticas?

As síndromes epilépticas são diferentes quadros que têm em comum um conjunto de características, como:

  • Faixa etária de início e término (quando é o caso) das crises;
  • Tipos de crise e padrões no eletroencefalograma característicos;
  • Padrão de resposta a tratamento semelhante;
  • Prognóstico de resolução e manutenção das crises semelhante;
  • Comorbidades associadas semelhantes (como deficiência intelectual ou alterações psiquiátricas).

Existem diversas e alguns exemplos são síndromes epilépticas, como a Epilepsia Ausência da Infância, Epilepsia Benigna com Espículas Centrotemporais (EBECT- conhecida anteriormente como Epilepsia Rolândica), Síndrome de West e etc…

Por que não se usa o termo “cura” para epilepsia?

Porque “cura” implica em risco de crises epilépticas futuras IGUAL ao de alguém que nunca teve crises. Só que após um histórico de epilepsia, um risco tão baixo nunca é alcançado. A ausência de crises por longos intervalos de tempo pode resultar de uma das várias circunstâncias e tratamentos subjacentes diferentes:

  • As crianças podem ter um tipo de epilepsia idade-específica, que tende a resolução na idade adulta, como acontece com a Epilepsia Ausência da Infância;
  • Algumas pessoas podem ter tido um tratamento definitivo, como cirurgia cerebral, tornando-as permanentemente livres de crises.

A literatura médica usa o termo “remissão” para implicar a suspensão de uma doença, mas este termo não é bem entendido pelo público, e a remissão não transmite a ausência da doença. Assim, foi adotada a palavra “resolvida”.

A Epilepsia deve ser considerada resolvida para os indivíduos que:

  • Tenham uma síndrome epiléptica idade-dependente que já tenham ultrapassado a idade limite para esta síndrome;
  • Para aqueles que tenham permanecido livres de crises nos últimos 10 anos, sem fármacos antiepilépticos nos últimos 5 anos.

Quais são os tipos epilepsia?

As epilepsias podem ser:

  • Focais (quando têm crises focais);
  • Generalizadas (quando têm crises generalizadas);
  • Com Crises Focais e Generalizadas Combinadas;
  • Com crises classificadas como desconhecidas (onde não se consegue definir se o tipo de crise é focal ou generalizada).

As possíveis causas (etiologias) de uma epilepsia são:

  • Estrutural – por alterações na estrutura macroscópica do cérebro como malformações congênitas ou sequelas de lesões por obstrução ou sangramento de vasos que nutrem o cérebro;
  • Genética – resultado direto de uma mutação genética conhecida ou presumida na qual as crises epilépticas constituem o sintoma central da doença, como na Síndrome de Down, nas epilepsias por mutações de canais de transporte de sias minerais como sódio e etc;
  • Infecciosa – crises resultam diretamente de uma infecção conhecida na qual as crises epilépticas são os sintomas centrais da afecção, como neurotuberculose, malária cerebral, toxoplasmose cerebral, e infecções congênitas como pelo Zika vírus e citomegalovírus;
  • Metabólica – resultado direto de um distúrbio metabólico conhecido ou presumido no qual o sintoma central do distúrbio são as crises epilépticas, como porfiria, a uremia, as aminoacidopatias ou as crises por dependência de piridoxina;
  • Imune – resultado direto de um distúrbio imune no qual as crises são o sintoma central desta afecção, como nas encefalites imunomediadas do tipo a encefalite anti-NMDA e a encefalite anti-LGI1;
  • Desconhecida – o significado de desconhecida é que a causa destas epilepsias ainda não é conhecida.

Quais outros diagnósticos (comorbidades) podem acompanhar a epilepsia?

Há um aumento na conscientização de que várias epilepsias são associadas a outros diagnósticos médicos tais como dificuldades ou transtornos de aprendizado, deficiência intelectual, transtorno do espectro autista, depressão, quadros psicóticos, além de déficits motores, transtornos do movimento, alterações do sono, alterações ortopédicas, doenças gastrointestinais e etc…  

É importante que a presença desses outros diagnósticos seja pesquisada em todos os pacientes, pois eles podem trazer muito impacto à qualidade de vida do paciente, especialmente se não receberem o acompanhamento adequado.

O que são epilepsias autolimitadas e farmacorresponsivas (antigamente conhecidas como benignas)?

O grupo de epilepsias autolimitadas (que tendem a parar de acontecer com o passar do tempo) e farmacorresponsivas (que tendem a ser bem controladas com medicamentos) era chamado anteriormente de epilepsias benignas.

Com o aumento do reconhecimento da epilepsia e dos diagnósticos associados sobre a vida de um indivíduo, mesmo nas que têm tratamento mais simples, optou-se por chamá-las de autolimitadas, sem fazer o juízo de valor sobre serem supostamente benignas.  

É importante reconhecer que há indivíduos com estas síndromes autolimitadas que não são farmacorresponsivos.

O que é estado de mal epilético ou status epilepticus?

No estado de mal epiléptico o cérebro perde seus mecanismos capazes de finalizar uma crise, e o paciente acaba por ter crises muito prolongadas. Se elas tiverem manifestações motoras visíveis, serão classificadas como estado de mal epiléptico. Se forem diagnosticadas somente no exame de eletroencefalograma, serão classificadas como estado de mal não epiléptico ou estado de mal eletrográfico.

Essa é uma condição considerada de urgência, pois se durar muito pode ser cada vez mais difícil de tratar, podendo levar a sequelas neurológicas e até mesmo, em casos muito graves, à morte.

Para evitar essa condição grave, é importante seguir as orientações do seu neurologista e seguir a prescrição medicamentosa à risca, uma vez que uma das causas mais comuns de estado de mal é a suspensão abrupta da medicação.

Uma pessoa com epilepsia pode fazer atividade física?

Do ponto de vista neurológico exclusivo, a única limitação que alguém com epilepsia tem à atividade física é para a prática de esportes onde a perda de consciência abrupta possa levar a risco de morte. Então, alguém com epilepsia não deve por exemplo, nadar sem alguém responsável por perto, pelo risco de afogamento.

No entanto uma pessoa com epilepsia pode praticar esportes de quadra como futebol e basquete, pode praticar esportes individuais como tênis. Enfim, sempre que surgir a dúvida responda a seguinte pergunta: se a pessoa com epilepsia tiver uma crise e perder a consciência em dada atividade, ela corre o risco de morte? Se a resposta for sim, a atividade não deve ser praticada. Se for não, pode praticar!

Uma pessoa com epilepsia pode dirigir?

Pessoas com epilepsia poderão conduzir veículos automotores desde que cumpram as normas determinadas pelo DETRAN na resolução no 425 de 27 de novembro de 2012 que dispõe sobre aptidão física, mental e psicológica dos que pleiteiam a Carteira Nacional de Habilitação, CNH.


O DETRAN quer saber se a pessoa com epilepsia usa medicamento e tem convulsões. Nos que respondem positivamente é realizada uma avaliação específica para as aptidões físicas e mentais.

A pessoa com epilepsia deverá levar o resultado de exames complementares, informações fornecidas pelo seu médico assistente que o acompanha há no mínimo um ano (preenchendo um questionário padronizado). São consideradas separadamente as pessoas com epilepsia em uso ou não de medicamento.

As pessoas com epilepsia em uso de medicamento (grupo I), para serem consideradas aptas a dirigir deverão:

1) estar a um ano sem crises epilépticas entendendo-se como crises epilépticas não apenas as convulsivas, mas qualquer outro tipo de crise com as ausências, as mioclônicas, as focais entre outras;
2) ter um parecer favorável do médico assistente;
3) ser plenamente aderente ao tratamento.

As pessoas com epilepsia em retirada de medicação por sua vez (grupo II) deverão:

1) não ter epilepsia mioclônica juvenil;
2) estar, no mínimo há dois anos sem crises epilépticas de qualquer tipo;
3) retirada de medicação mínima de seis meses;
4) estar no mínimo há seis meses sem crises epilépticas de qualquer tipo após a retirada da medicação;
5) ter parecer favorável do médico assistente.

Quando o parecer do médico assistente for desfavorável, o resultado do exame deverá ser “inapto temporariamente” ou “inapto”, dependendo do caso. Quando considerados aptos no exame pericial, os seguintes critérios deverão ser observados:

1) aptos somente para a direção de veículos da categoria “B”;
2) diminuição do prazo de validade do exame, a critério médico, na primeira habilitação;
3) repetição dos procedimentos nos exames de renovação da CNH;
4) diminuição do prazo de validade do exame, a critério médico, na primeira renovação e prazo normal nas seguintes para os candidatos que se enquadrem no grupo I;
5) prazo de validade normal a partir da primeira renovação para os candidatos que se enquadrem no grupo II.

Podem parecer regras excessivas, mas pessoas que podem perder abruptamente a consciência e estão na direção podem causar acidentes graves. Assim, a habilitação para direção será dada a quem tiver com a epilepsia controlada ou resolvida.

O que fazer caso você presencie uma crise?

  • Procure permanecer calmo;
  • Se houver alguma roupa apertada, principalmente ao redor do pescoço, afrouxe a roupa;
  • Se a criança está inconsciente, posicione deitada de lado para evitar aspiração de saliva ou vômito;
  • Não force a abertura da boca, não coloque objetos dentro da boca e não ofereça líquidos por boca para criança inconsciente;
  • Observe o tipo da crise (como começou, como estavam os membros da pessoa, como estava a face e o olhar da pessoa, se ela respondia quando chamada) e duração dela;
  • Se for o caso, siga as recomendações do médico do paciente sobre uso profilático de medicamentos e tempo para procurar o pronto-socorro.

Gostou das informações? Se deseja agendar uma consulta particular com a Dra. Mariana, clique aqui

Neste artigo:
Compartilhe nas redes sociais:
Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram