10 de janeiro de 2023

O Autismo, a fala e a linguagem

As alterações de linguagem são comuns em crianças com autismo?

Sim. As estatísticas são variadas, mas estima-se que de 25-30 % das crianças com autismo sejam não verbais ou minimamente verbais.

E o que isso significa?

Ser não verbal ou minimamente verbal significa não conseguir produzir palavras ou ter repertório de palavras faladas muito reduzido ou de uso muito estereotipado, muitas vezes sem intenção comunicativa.

Quais as características do autismo que dificultam o desenvolvimento da linguagem?

Algumas delas são na comunicação não verbal, por meio do olhar para o outro, pelo uso de expressões faciais, vocalizações e gestos do tipo mostrar, acenar e apontar.

Outra característica marcante, presente entre 80-90 % das crianças com autismo, são as dificuldades de atenção compartilhada. Na atenção compartilhada o indivíduo compartilha a experiência social com outro parceiro.

Alguns exemplos incluem mostrar um brinquedo, apontar para algo interessante, olhar quando alguém mostra e aponta para algo interessante.

Quando se compartilha o interesse têm-se a oportunidade de aprender o nome do objeto, seu uso e mais informações obre o mesmo. Por essa razão compartilhar é uma ferramenta tão poderosa de aprender a linguagem.

Como a criança aprende a falar?

Da mesma forma que antes de andar a criança precisa aprender a se sentar sozinha e ficar em pé, falar exige uma série de competências anteriores. Essas competências incluem:

– Conseguir prestar atenção às pessoas;

– Conseguir alternar a atenção entre objetos e as pessoas;

– Conseguir se comunicar com gestos como por exemplo apontando o que quer;

– Produzir primeiramente sons não intencionais, inicialmente vogais, depois vogais e consoantes (‘ba’, ‘ma’, que são balbucios);

– Na sequência conseguir repetições de vogais e consoantes (como ‘ba-ba-ba’, que são balbucios duplicados) e depois sequências de sons mais longas, parecidas com a fala humana (chamada jargão);

– Produção de vocalizações em resposta a fala dos pais, simulando um diálogo;

Em resumo, passa-se da produção de sons não intencionais a imitação dos sons, produção dos sons em resposta a fala dos pais e por fim, ao uso dos sons com intenção comunicativa.

Existem crianças com autismo que apresentam regressão da linguagem?

Sim, cerca de 20-25% das crianças com autismo podem ter perda da capacidade de falar palavras após aparente aquisição típica delas.

Quais outras alterações da linguagem podem estar presentes em crianças com transtorno de espectro autista (TEA) que aprendem a falar?

  • Ecolalia: Pode ser observado o uso estereotipado e rígido da fala, numa condição a que chamamos ecolalia, onde o indivíduo repete palavras, frases ou expressões, produzidas por parceiros de comunicação ou ditas em programas de televisão ou internet.

Quando ocorrem imediatamente após a fala do outro, são chamadas ecolalias imediatas, e quando ocorrem horas, dias ou semanas após, são chamadas ecolalias tardias.

  • Pragmática (a linguagem dentro do contexto social): Podem estar presentes atrasos na compreensão da linguagem, com dificuldades de compreender as sutilezas do que as pessoas falam, como o humor, as piadas e sentidos figurados.

Há uma dificuldade de compreender que alguém pode estar querendo dizer algo além do que foi dito de modo literal. Um exemplo: se alguém diz “Nossa, está bem arrumada hoje hein?’ Para alguém que não dormiu bem, não conseguiu se pentear e se arrumar direito, muitas pessoas com autismo terão dificuldade de compreender que na verdade quem diz está sendo irônico e querendo dizer justamente o contrário. 

Além da dificuldade de compreender outras intenções que não as literais, a pessoa com autismo pode ter dificuldade de compreender outras pistas que acompanham o que é dito, algumas verbais, como mudança na entonação da voz e outras não verbais, como mudanças de expressão no rosto e corpo, gestos etc.

  • Prosódia: Pessoas com autismo também podem ter alteração na prosódia, que inclui entonação, velocidade, ritmo e acentuação da fala. Isso se reflete numa fala que pode parecer monótona, rígida ou as vezes exagerada para a situação, semelhante por exemplo a um desenho animado.
  • Outros: No que diz respeito ao aprendizado e uso do vocabulário de maneira gramaticalmente correta, pode haver desde dificuldades até crianças com um repertório sofisticado e acima da média.

No entanto, muitas vezes se percebe alterações na compreensão de verbos que refletem estados mentais internos e diferenças na habilidade de uso das classes gramaticais. Os substantivos podem ser de mais fácil compreensão do que os adjetivos e verbos.

Além disso, pode haver dificuldade para pessoa com autismo de usar a linguagem para além de um objetivo concreto (como comunicar uma necessidade), em situações de troca de informações aleatórias, no que também chamamos ‘jogar conversa fora’.

Podem estar presentes dificuldades de alfabetização e na capacidade de leitura. Algumas crianças com autismo podem demonstrar capacidade de decodificação mais precoce (conhecida como hiperlexia), mas isso não significa que a criança terá a capacidade de compreensão do que lê desenvolvida no mesmo momento.

Algumas crianças com autismo podem ter também dificuldades articulatórias e motoras na fala.

Como a família pode ajudar a criança a desenvolver a linguagem?

Muitas vezes sem perceber, permanecemos longo tempo calados diante de crianças pequenas, típicas e atípicas. Uma criança com dificuldades de comunicação precisa ser mais exposta ainda a fala para que possa ser mais fácil aprender.

O primeiro ponto é conversar com a equipe de terapeutas do seu filho de maneira constante, se atualizando e aplicando aquilo que elas recomendam para melhorar todo o repertório comunicativo do seu filho.

Algumas sugestões adicionais são:

  • Conhecer os sons que seu filho faz regularmente;
  • Imitar os sons que seu filho produz, posicionando-se em frente dele e olhando para os olhos dele enquanto faz isso;
  • Ao produzir um som, dar uma pausa e esperar seu filho produzir outro em resposta, estimulando a troca de turno na produção dos sons;
  • Aumentar a quantidade de vezes que seu filho escuta sons ‘sem sentido’, imitando para ele o barulho do carro, do latir do cachorro, do tocar do telefone, além de outros sons com a boca e a língua. Isso pode ser feito na leitura, na brincadeira, apontando para os animais, durante a troca de fraldas e a refeição;
  • Aumentar a quantidade de vezes que seu filho ouve palavras, acrescentando palavras a atividades do seu filho, como repetir ‘pula-pula-pula’ quando ele está pulando;
  • Usar linguagem apenas um pouco mais complexa que a do seu filho. Por exemplo, se ele não fala ou usa palavras soltas, procure usar frases com uma a três palavras;
  • Adicionar sons aos gestos, como a palavra ‘dar’ a mão espalmada para pedir algo.

E do que depende o desenvolvimento da linguagem nas crianças com autismo?

É preciso levar em conta a idade da criança, a presença de outras condições associadas como deficiência intelectual, dificuldades motoras como na paralisia cerebral, epilepsia e acesso a terapias e a sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA).

O que são sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA)?

Os CAA são métodos de comunicação que podem ajudar as pessoas que são incapazes de usar a fala para se comunicar. Podem estar vinculados a ajuda, dependendo de materiais e equipamentos especiais, como imagens em cartões, livros e computadores, representando por exemplo ações (tomar banho) ou locais (escola). Os métodos de CAA são variados e devem ser personalizados para atender às necessidades de cada indivíduo.

Um dos métodos comumente utilizados em crianças com autismo é o Sistema de comunicação por troca de figuras, conhecido como PECS (Picture Exchange Communication System).

Existem evidências de que métodos de CAA como o PECS podem ser potencializadores da comunicação nessas crianças, ampliando o vocabulário e o repertório de funções comunicativas.

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