29 de junho de 2022

O que é neuropediatria?

Neurologia Infantil – Uma visão geral

A neurologia infantil em linhas gerais

A criança em desenvolvimento guarda um encanto único. É um ser humano inteiro desde o nascimento, com todas as suas habilidades em plena construção.

Sabemos que o caminho começa com a herança histórica, cultural e social dos cuidadores principais da criança, passa pela herança genética que a criança recebe dos seus pais biológicos e depende profundamente da saúde da mãe biológica que é a pessoa que gesta a criança. Após o nascimento, a criança recebe influências protetoras, neutras ou deletérias do meio ambiente, de sua família, da rede de apoio que essa família tem, de seus futuros amigos e de toda sociedade onde a criança está inserida.

Qualquer alteração da anatomia ou da função das estruturas do sistema nervoso, determinada por fatores genéticos e do meio ambiente, com sinais e sintomas, transitórios, duradouros, ou permanentes, irá modificar de forma drástica ou sutil a presença deste ser humano em desenvolvimento no mundo.

O neurologista infantil é o profissional que vai ajudar a identificar as alterações do sistema nervoso da criança e buscar um caminho junto à família, à escola e à equipe multidisciplinar para que a ela possa vivenciar este mundo da forma mais potente que puder.

 

O que é um neurologista infantil, neurologista pediátrico ou neuropediatra?

As três denominações são sinônimas, e definem um médico com especialização no cuidado de condições neurológicas acometendo a faixa etária pediátrica (do período neonatal até a adolescência, incluindo a transição dos cuidados para o neurologista de adultos).

 

Quais os tipos de problemas que estão sob seus cuidados?

Problemas na função ou estrutura do sistema nervoso central e sistema nervoso periférico.

 

Será que é possível explicar melhor as divisões do sistema nervoso?

Claro! “O sistema nervoso é talvez o mais bonito, elegante e complexo sistema do corpo. Suas redes interconectadas realizam um processamento que é simultaneamente local e distribuído, em série e em paralelo, hierárquico e global.”

O sistema nervoso central (SNC) inclui o cérebro, o tronco encefálico e a medula espinal. O sistema nervoso periférico (SNP) é todo o restante, incluindo os nervos cranianos, os nervos e raízes espinais, a junção neuromuscular, os nervos simpáticos e parassimpáticos e seus gânglios e o sistema nervoso entérico.

 

Quais os principais sintomas dos problemas envolvendo o SNC e SNP?

Os sintomas são inúmeros, podendo ocorrer isolados ou em combinação e incluem dor de cabeça, crises, desequilíbrio, incoordenação, fraqueza, tiques, alteração da sensibilidade, alterações visuais, alterações auditivas, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, desatenção, impulsividade, alterações comportamentais e do humor, comprometimento das atividades escolares, da  socialização, da comunicação, da realização de atividades de vida diária, além de outros problemas como obstipação intestinal ou diarreia, dificuldades de deglutição, respiratórias, de micção e etc.

Uau!!!  Se você chegou até aqui notou que os problemas do sistema nervoso trazem sintomas muito diversos! Sim, o sistema nervoso é o modo como o indivíduo recebe as informações do mundo, processa essas informações de forma consciente e inconsciente e devolve o efeito de todas as informações recebidas sob a forma de ações ou não ações, perceptíveis ou imperceptíveis. Além disso o sistema nervoso afeta a sobrevivência do indivíduo e o equilíbrio dos outros sistemas orgânicos como respiratório, cardíaco e muscoloesquelético! Assim, está correto afirmar que o sistema nervoso é parte fundamental e indispensável do que conhecemos como vida, e o seu acometimento na maioria das vezes não vai passar despercebido!  

 

O que determina os sintomas e os sinais das condições neurológicas?

Os sintomas (manifestações clínicas referidas pelo paciente) e os sinais (manifestações clínicas percebidas por quem observa o paciente) são determinados pela(s) parte(s) do SNC e/ou SNP que possui(em) alterações, seja em sua estrutura anatômica e/ou na maneira como funciona. 

 

Nossa, mas se a avaliação clínica e neurológica de sintomas depende daquilo que o paciente refere, como ficam as crianças quando ainda não sabem se comunicar bem ou quando não podem se comunicar bem como resultado da sua condição neurológica?

Esse é um grande desafio que os neurologistas infantis enfrentam em seu dia a dia. Por isso devem ser treinados e praticar intensamente um olhar atento aos sinais que o paciente apresenta e que a família relata, conhecendo as principais condições neurológicas e os sintomas que podem estar associados àqueles sinais.

É observando a criança e como ela funciona enquanto está na consulta, como brinca, como reage ao exame físico e à interação social e ouvindo o relato dos pais, cuidadores, professores, amigos e outros profissionais envolvidos no cuidado da criança, que se pode tomar proximidade daquilo que a criança está sentindo. Assim, o neurologista infantil tem que ter um olhar impecável, uma escuta qualificada e uma vocação, treinamento e vontade de trabalhar em equipe!

 

Qual o tipo de treinamento tem um neurologista infantil?

No Brasil ele terá no mínimo um ano de treinamento em pediatria (a maioria terá pelo menos dois anos) e no mínimo dois anos de treinamento em neurologia infantil. Alguns completam ainda um treinamento adicional de um a dois anos em alguma subespecialidade dentro da neurologia infantil.

 

Quais as condições mais frequentemente diagnosticadas, tratadas e acompanhadas pelo neurologista infantil?

  • Crises e epilepsia;
  • Cefaleia tensional e migrânea (também conhecida como enxaqueca);
  • Atraso global do desenvolvimento e deficiência intelectual;
  • Transtornos do neurodesenvolvimento como paralisia cerebral e atraso de fala;
  • Transtorno do espectro autista;
  • Transtornos de aprendizagem envolvendo a leitura, escrita e matemática;
  • Acompanhamento clínico de pacientes com sequela de trauma crânio encefálico e acidentes vasculares encefálicos;
  • Acompanhamento clínico de malformações do sistema nervoso;
  • Problemas neurogenéticos e neurometabólicos;
  • Problemas autoimunes que envolvem o SNC e SNP incluindo esclerose múltipla e encefalites autoimunes;
  • Infecções e inflamações incluindo meningites e encefalites;
  • Doenças envolvendo os nervos e os músculos incluindo distrofias musculares e neuropatias;
  • Tumores do SNC e SNP e sequelas ou complicações do tratamento oncológico;
  • Doenças sistêmicas com envolvimento do SNC ou SNP como por exemplo doenças reumatológicas (lúpus eritematoso sistêmico), doenças hematológicas como anemia falciforme e leucemias, doenças cardiológicas (como cardiopatias complexas) e etc.

 

O que são transtornos do neurodesenvolvimento?

Os transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo heterogêneo de condições que envolvem a função do cérebro. Os transtornos tipicamente se manifestam cedo no desenvolvimento, em geral antes de a criança ingressar na escola, sendo caracterizados por um padrão diferente de desenvolvimento que tem como consequência um padrão diferente de funcionamento pessoal, social, acadêmico
ou profissional.

As diferenças de desenvolvimento podem envolver desde o aprendizado, a atenção e o controle de funções como tomada de decisões ponderadas, até prejuízos globais em habilidades sociais
ou inteligência. É frequente a ocorrência de mais de um transtorno do neurodesenvolvimento;
por exemplo, indivíduos com transtorno do espectro autista podem ter deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual), e muitas crianças com transtorno
de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) apresentam também um transtorno específico da
aprendizagem.

 

Quem deve cuidar das crianças com diagnósticos neurológicos?

É importante lembrar que um cuidado completo muitas vezes envolve avaliação e seguimento por profissionais médicos de múltiplas especialidades, como neurologista infantil, psiquiatra infantil, pediatra, otorrinolaringologista, oftalmologista, ortopedista, fisiatra, geneticista, especialista em dor, em cuidados paliativos pediátricos, oncologista pediátrico, dentre outros.

Além disso, a grande maioria dos casos precisa da atuação de uma equipe multidisciplinar integrada, incluindo profissionais como odontologista, psicólogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, nutricionista, educador físico, pedagogo e psicomotricista.

 

Nossa, mas tanta gente assim?

Quanto mais complexo for o caso, maior o número de profissionais envolvidos. Lembra como o funcionamento do sistema nervoso pode afetar inúmeras funções? E lembra do treinamento, vocação e vontade para o trabalho em equipe que o neurologista deve ter, sobre a qual falei antes?

Por isso só a comunicação entre os profissionais de saúde envolvidos no cuidado da criança e o respeito de todas as partes pelas visões particulares e diferenciadas de cada um pode fazer com que essa malha de cuidado funcione da forma que se espera, integrada e otimizada, pela saúde da criança e de sua família!

 

Quais os tipos de exames que um neurologista infantil pode solicitar?

Depois de uma avaliação pormenorizada da história e do exame físico do paciente, alguns exames podem ser solicitados como por exemplo:

Eletroencefalograma (EEG): trata-se de um teste que procura por distúrbios da atividade elétrica cerebral. Ele avalia a atividade de base, que é o funcionamento do cérebro de acordo com o estado (vigília, sonolência, sono, rebaixamento do nível de consciência incluindo coma) e com a idade do paciente e verifica a presença de anormalidades sugestivas de condições específicas como epilepsias, certos tipos de encefalopatias causadas por distúrbios dos sais minerais, fígado e rins, além de infecções, intoxicações, encefalites autoimunes etc.  

Ressonância magnética (RM) e ou tomografia computadorizada de crânio (TC): exames de imagem que são como fotografias da estrutura do cérebro e medula. De um modo geral a TC é de execução mais rápida e tem uma menor definição. A RM é de execução mais lenta e exige que o paciente fique completamente imóvel, o que muitas vezes significa, em crianças que não têm condições de colaborar, a necessidade de realização do exame sob anestesia geral.

Punção lombar: um teste onde se avalia a constituição do líquido cefalorraquidiano, que envolve o cérebro e a medula espinal, fornecendo informações que podem auxiliar no diagnóstico de infecções, inflamações, tumores e hipertensão intracraniana (no contexto de pseudotumor cerebral).

Exames de sangue e urina: que vão desde os mais comuns como avaliação do hemograma, da função dos rins, do sistema de coagulação, até exames mais complexos incluindo exames genéticos.

 

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